140 páginas • Editor Lisboa Fenda
Trad.: Cristina Peres
Descrição
(…) Em meados dos anos 70, compreendi que o mito da revolução estava morto ou, para ser exacto, não o compreendi, cheirei-o: tinhamos entre nós um grande cadáver ideológico que começava a cheirar mal e os seus defensores também não cheiravam bem. O político seria a partir de então, e por muito tempo, um terreno sem esperança, daí até algo de novo não havia nada a esperar. Da revolução não permanecia mais que uma vaga nostalgia, o desejo de uma outra vida mais rica. Pode-se dizê-lo calmamente deste modo ingénuo porque mesmo que se dissesse de forma mais elaborada significaria o mesmo. Nós eramos obrigados a ter um outro tipo de análise, uma análise do desejo, a que chamavamos psicanálise – o que era uma designação errónea porque a psicanálise clássica diz que quem se insurge não tem razão, quando o que nós queriamos ouvir era que quem se insurge tem razão. O cadáver da revolução decompôs-se pouco a pouco até ao esqueleto e ali vieram à luz alguns radicais não redutíveis. Pôde ver-se, nesse momento, que no complexo formado pela revolução tinham existido três motivos ou figuras de base absolutamente diferentes, sendo cada uma delas autónoma e vivendo por si, mesmo se a figura ideológica na qual estavam englobados se decompôs. A primeira pedra, radical primeiro da grande revolução mítica é o Estado de direito burguês com o seu pathos formal e igualitarista. Mas, após 1945, já se tinha mais ou menos estabelecido entre nós que não estavamos exageradamente reconhecidos por tê-lo, não faziamos mais que tomá-lo como ponto de partida para exigir muito mais. Mas e este mais, o que era este mais? Para responder a esta questão é preciso conhecer ambas as outras formas de grande reviravolta. O segundo radical da revolução é a experiência individual do nascimento, a dramática ruptura da criança para fora do corpo da mãe em direcção ao mundo. Isto permanece latente e presente em cada indivíduo como cena primitiva constituindo a vanguarda das esperanças futuras de novas rupturas em direcção a condições de vida menos estreitas. A saída deste estreito canal original no qual tudo poderia já ter chegado ao fim: isto é o protótipo subjectivo da libertação…